Por Pedro Henrique Schlichting Kraemer
Não raras são as famílias que precisam tomar medidas jurídicas para garantir os cuidados de seus entes próximos que, por inúmeras razões, não são capazes de ter uma vida independente. Doenças como Alzheimer, Transtorno do Espectro Autista, ou lesões cerebrais podem acometer indivíduos a um status, até 2015, de incapacidade absoluta para os atos da vida civil. Neste cenário, a curatela vinha sendo utilizada como instrumento para familiares próximos poderem assumir a responsabilidade no cuidado e manejo dos aspectos legais destes indivíduos.
Contudo, alterações promovidas nos arts. 3º e 4º do Código Civil pela Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) motivou diversas críticas, debates e preocupações para com os enfermos ou deficientes mentais ou, simplesmente, aqueles que sofrem de alienação mental, em especial aqueles incapacitados, no plano fático, de manifestarem sua vontade. Para o legislador, a revogação dos incisos II e III do art. 3º do Código Civil e sua realocação dentro do art. 4º, alterando a condição de exercício dos atos da vida civil daqueles que antes eram absolutamente incapazes para, agora, relativamente incapazes, estaria justificada nas adequações exigidas para a máxima garantia dos direitos de inclusão e igualdade
De pronto, observa-se uma alteração na condição de capacidade civil dos curatelados. Não mais são absolutamente incapazes e passam, automaticamente, por força de lei, a serem considerados relativamente incapazes. Isto afetará, e muito, a relação dos curadores e seus curatelados, pois não raras são as condições mentais e neurológicas que afetarão o discernimento da pessoa. E, a despeito do desejo da lei no plano jurídico, muitas pessoas são, de fato, incapazes para atos da vida civil e dependem da proteção que anteriormente asseguravam os incisos II e III do art. 3º do CCB – o que de forma alguma inviabilizava seus direitos de propriedade, personalidade ou, sobretudo, dignidade, preocupação externada na Convenção internacional. Mal de Alzheimer, esquizofrenia grave, estado de coma, Transtorno do Espectro de Autismo severo, paralisia cerebral. Os exemplos são muitos. A livre manifestação do consentimento de sujeitos nem sempre será possível. O regime da incapacidade absoluta sempre foi uma forma de proteção aos pacientes mentais graves – e a alteração promovida gerou um vazio que, além do retrocesso, induz à inconstitucionalidade por omissão, dada a ausência de um regime específico de graduação para tais situações concomitantemente com o afastamento da normatividade anterior e a generalização de todos como relativamente incapazes.
Na incapacidade relativa é imprescindível ao assistido manifestar sua vontade, ainda que acompanhado por seu curador. Impossível admitir que todo que qualquer enfermo ou alienado mental tenha condições para tanto.
Ainda, a defesa em juízo dos direitos dos curatelados sofrerá imenso impacto, pela contagem do prazo prescricional, antes inexistente.
Anteriormente à alteração do Código Civil pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, os enfermos mentais incapazes para a vida civil eram protegidos contra a prescrição nos termos do art. 198, I do CCB. Contudo, passando à condição de relativamente incapazes, seus direitos perdem a condição de imprescritíveis – o que, salvo melhor juízo, representa imenso prejuízo e retrocesso.
Feitas as considerações, faz-se um alerta a todos os curadores de pessoas interditadas que eram anteriormente consideradas pela lei como absolutamente incapazes: procurem apoio jurídico especializado para que os direitos dos curatelados não sejam perdidos pela passagem temporal do prazo prescricional. O prazo é exíguo, e a perda poderá ser imensa.