Direitos individuais decorrentes de atos lesivos à concorrência

por Eduardo Moraes Bestetti

Quando se fala em tutela da concorrência e regulamentação de mercados pelo Direito com vistas ao combate de condutas anticompetitivas, como a formação de cartéis e de monopólios, e de atos de abuso de poder econômico, geralmente vem a mente a atuação de organismos estatais como o Ministério Público e do Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Entretanto, indivíduos e empresas lesados têm direito a buscar, por si sós, a tutela do direito, seja preventiva, seja reparatória.

É a Constituição Federal que prevê o acesso à justiça como direito fundamental, consagrando no seu artigo 5º, inciso XXXV a fórmula de que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. No caso, a lesão ou ameaça a direito consistirá, tanto no direito de atuar em um mercado competitivo, preservando a livre iniciativa dos agentes econômicos – consumidores, empresários e trabalhadores – como de ter reparados os danos causados pela conduta ilícita de outros agentes econômicos. Também a lei de proteção à concorrência alberga o direito de ação individual ou coletiva, no artigo 47: “Os prejudicados, por si ou pelos legitimados referidos no art. 82 da Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, poderão ingressar em juízo para, em defesa de seus interesses individuais ou individuais homogêneos, obter a cessação de práticas que constituam infração da ordem econômica, bem como o recebimento de indenização por perdas e danos sofridos, independentemente do inquérito ou processo administrativo, que não será suspenso em virtude do ajuizamento de ação”.

A prática concertada entre empresas para domínio de mercados ou o abuso de posição dominante praticado por um fornecedor, cliente ou concorrente que detém uma capacidade negocial privilegiada pode se refletir em preços artificialmente baixos para prejudicar concorrentes, exigências impossíveis de serem cumpridas para fornecedores, tratamento diferenciado de fornecedores no caso de ser a empresa ou grupo de empresas dominantes em determinada região e não em outra, cláusulas de raio com shopping centers e contratos de exclusividade que impedem o produtor de bens de consumo de conquistar pontos de venda ou o prestador de serviços conquistar potenciais clientes. As situações mencionadas são apenas exemplos de infrações à ordem econômica que têm repercussão no plano individual.

Quando essas práticas assumem importância no mercado relevante em que as empresas que praticam os atos anticoncorrenciais atuam, as entidades estatais como o Ministério Público ou o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) podem e devem agir. Entretanto, tais organismos não tutelam os interesses individuais decorrentes destes atos, bem como não tem condições de agir em todas as situações, principalmente nas que sejam regionalizadas e que não implicam em prejuízo a mercado relevante, o que não significa que os agentes econômicos prejudicados não tenham direitos individuais a serem tutelados.

Assim, seja para buscar a reparação de prejuízos sofridos com fundamento no art. 927 do Código Civil, regra geral da responsabilidade civil no direito brasileiro, que prevê a reparação de danos decorrentes de atos ilícitos, seja para impedir atos que ainda não despertaram a atuação da autoridade antitruste, a pessoa ou a empresa lesada podem buscar o Poder Judiciário através da figura da private litigation, a partir do ajuizamento de ação, individual ou coletiva, contra a empresa ou o grupo de empresas praticantes de atos anticompetitivos.

Mesmo que ainda seja incipiente no Brasil, a private litigation em matéria concorrencial é conhecida nos tribunais do país, como no caso do processo 2222545-56.2017.8.26.0000, em que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo determinou o prosseguimento, inclusive com marcação de perícia, de ação ajuizada por uma empresa contra sua concorrente e sindicato de categoria patronal com vistas à reparação de danos patrimoniais ocasionado pela formação de cartel. No caso, o ajuizamento e processamento da ação independe de condenação ou término de inquérito no CADE, o que, aliás, é prudente, a fim de evitar o prazo prescricional de três anos previsto no artigo 206, § 3º, IV do Código Civil.

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul também está atento ao seu papel na tutela da livre concorrência. Em julgamento que é paradigmático para demonstrar a possibilidade de tutela coletiva da matéria, os desembargadores da 16ª Câmara Cível entenderam como ilegal a cláusula contratual imposta a lojistas de shopping center que determinava uma “cláusula de raio” de três quilômetros, ou seja, os lojistas não poderiam exercer atividade no mesmo ramo comercial no espaço definido pela cláusula. A ação foi proposta pelo sindicato dos lojistas de Porto Alegre, atuando em substituição processual à categoria empresarial e buscando não a reparação de danos, mas a tutela inibitória consistente na cessação da prática ilícita (Processo nº 70053953147)

Dessa forma, em situações como as narradas, os interessados, ou grupo de interessados, em ajuizar ação para reparação de danos decorrentes de ilícitos anticoncorrenciais devem munir-se de documentos e outras provas quem possam evidenciar os prejuízos por ele sofridos em virtude da prática de abuso de poder econômico da empresa concorrente, fornecedora ou compradora e buscar a tutela de seu direito de atuar com liberdade em um mercado competitivo junto ao Poder Judiciário.

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