Encontro Internacional de Juízes de Cortes Trabalhistas

De 21 a 23 de agosto de 2019, ocorreu em Brasília o 1º Encontro Internacional de Juízes de Cortes Trabalhistas, que abrangeu especialmente três temas: o acesso à Justiça em disputas trabalhistas, os modelos de justiça do trabalho pelo mundo e a reforma trabalhista, com o objetivo de aclarar os intensos debates sobre a organização do Poder Judiciário e a relevância de sua especialização no âmbito de aplicação do direito do trabalho.

O evento reuniu magistrados, procuradores do trabalho, advogados, servidores públicos e estudantes para aprender com experiência de países como Alemanha, Argentina, Brasil, Holanda, França e Panamá.

Nosso sócio Vitor Rocha Nascimento participou do evento e compartilhou conosco suas anotações sobre as palestras:

Ministro João Batista Brito Pereira, Presidente do Tribunal Superior do Trabalho

O Ministro Presidente do TST ressaltou na sua fala de abertura o desenvolvimento progressivo da Justiça do Trabalho brasileira, desde os antecedentes de seu surgimento até a sua atualidade, na qual se constitui como órgão de prestação jurisdicional capilarizado, acessível, célere e preparado para pacificar socialmente os conflitos havidos nas relações de trabalho.

Além disso, elucidou que há uma enorme quantidade de países com um ramo judiciário especializado, de alguma forma, para prestar atividade jurisdicional na solução dos conflitos de Direito do Trabalho, citando como exemplo de antiguidade a Nova Zelândia, que criou braço jurisdicional especializado trabalhista em 1894, de modo que essa especialização jurisdicional não é uma exclusividade brasileira, mas sim um movimento paulatino e consistente no cenário mundial.

María Rosina Rossi Albert, Ministra do Tribunal de Apelações do Trabalho do Uruguai, Diretora do Centro de Estudos Judiciais e Professora de Direito do Trabalho na Faculdade de Direito da Universidade da República (UdelaR) no Uruguai

A magistrada uruguaia enfatizou as proximidades entre Brasil e Uruguai, relembrando que o Uruguai criou a partir da década de 60 do século passado ramo especializado trabalhista tendo como modelo a Justiça do Trabalho brasileira, para após tratar da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a sua Declaração sobre o Futuro do Trabalho feita nesse ano de 2019, de celebração do centenário do organismo internacional.

De forma magistral, a conferencista sintetizou a Declaração de 2019 da OIT, esclarecendo que ela propugna por uma “garantia social universal” aos trabalhadores, que se concretizariam em uma proteção adequada dos mesmos, à definição das relações de trabalho que demandam essa proteção, e à observância do trabalho decente como paradigma.

Aprofundando o tema, a palestrante relatou como a aplicação das declarações da OIT como normas internacionais cogentes no sistema judiciário uruguaio, incluindo a Recomendação 190 da OIT, que arrola vários princípios necessários para uma tutela judiciária efetiva das relações de trabalho, dentre os quais o acesso universal, a celeridade e a especialização jurisdicional para bem atender essas necessidades.

Rodrigo de Lacerda Carelli, Procurador do Ministério Público do Trabalho no Rio de Janeiro

O palestrante defendeu a importância de um Poder Judiciário especializado para a solução de conflitos de trabalho, demonstrando que grande parte dos países capitalistas mais notáveis do mundo possuem, sim, ainda que de diferentes formas, órgãos e procedimentos específicos para questões trabalhistas, bem como profissionais especializados nas mesmas.

Manoel Carlos Toledo Filho, Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região

Em uma comparação detalhada entre os sistemas jurídicos de vários países latino americanos, o conferencista demonstrou haver dentre os mesmos, evidentemente com diferentes formas, jurisdições dedicadas à resolução de conflitos de trabalho, bem como, em muitos casos, procedimentos judiciais específicos para tanto.

Sebastian Roloff, Magistrado do Tribunal Superior do Trabalho da Alemanha (Bundesarbeitsgericht)

O magistrado alemão, pertencente ao Tribunal Federal do Trabalho Alemão, demonstrou que no país germânico há um ramo específico do Poder Judiciário federal destinado à resolução de conflitos de trabalho, com várias instâncias e participação de juízes classistas nas mesmas, sistema judicial esse feito e pensado para ser efetivo e célere, o que é, via de regra, atendido, com processos rápidos em comparação para com vários países europeus.

Alain Lacabarats, Magistrado do Conselho Superior da Magistratura da França (Conseil Supérieur de la Magistrature)

O magistrado francês explicou que o Poder Judiciário francês, ainda que tenha câmara interna à Corte de Cassação da França que julga casos de direito social, nos quais inseridos os atinentes a relações de trabalho, não possui ramo especializado trabalhista do Poder Judiciário, apenas comissões administrativas que possuem competência conciliatória e decisória para tais questões, situação que não costuma atender aos princípios de processos efetivos e céleres sobre as questões trabalhistas, com processos judiciais levando de 6 a 10 anos para solução final, daí haver desejo de que o sistema judiciário francês procure corrigir tais problemas.

Cássio Casagrande, Procurador do Ministério Público do Trabalho no Rio de Janeiro

O palestrante chamou a atenção para a história da jurisprudência norte americana, em especial para a Suprema Corte, que julgou através da história inúmeros casos trabalhistas e sindicais, ora fixando paradigmas menos benéficos aos trabalhadores, ora mais protetivos aos mesmos. Ainda, demonstrou que nos EUA há uma legislação federal trabalhista, concomitante para com as legislações estaduais de cada um dos estados federados, bem como diversos órgãos administrativos com competências diversas em questões trabalhistas.

Estevão Mallet, advogado e Professor Associado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

O advogado e professor da USP enfatizou a crucial importância que o direito de ação e de acesso à Justiça para a própria existência do direito pleiteado, uma vez que é obrigação estatal compensar a retirada dos cidadãos do direito de fazer justiça de “própria mão” com a entrega de uma jurisdição que faça justiça efetiva e célere, de modo que é necessário ponderar em cada norma e regra se a mesma não gera obstáculo que minimize ou anule o direito de acesso à Justiça e, ato contínuo, do próprio direito material eventualmente violado.

Gerrard Boot, Secretário-Geral da Associação Europeia de Juízes de Cortes Trabalhistas (European Association of Labour Court Judges), Juiz do Trabalho da Holanda

O conferencista explanou o funcionamento da entidade do qual é membro, a Associação Europeia de Juízes de Cortes Trabalhistas, cuja principal tarefa é analisar os diversos sistemas jurídicos europeus sobre matérias atreladas ao mundo do trabalho e da produção, ressaltando os benefícios que essa integração e troca de informações traz a todos seus participes, incentivando que o Brasil e demais países sul americanos adotem medidas assemelhadas.

Silvia Esther Pinto Varella, Magistrada da Câmara Nacional de Apelações Trabalhistas da Argentina (Cámara Nacional de Apelaciones del Trabajo)

A juíza argentina historiou o surgimento da Justiça do Trabalho especializada no âmbito federal recursal na Argentina a partir de 1944 e sua evolução até os dias atuais, destacando tanto os pontos positivos quanto os atuais desafios que são colocados à magistratura trabalhista argentina, dentre as quais a recente criação de órgãos administrativos para apreciação e acompanhamento prévio de ações acidentárias de trabalho e a diminuição considerável do ingresso de demandas trabalhistas no país.

Maria Cristina Irigoyen Peduzzi e Mauricio Godinho Delgado, Ministros do Tribunal Superior do Trabalho

A Ministra do TST enfatizou o contexto mundial pós crises econômicas, desde a década de 70 do século passado, até notoriamente a crise de 2008, que vem levando os mais diversos países a efetuarem reformas nas suas legislações trabalhistas, flexibilizando e modernizando as relações de trabalho para a nova economia posterior à Quarta Revolução Industrial, o que tem se mostrado necessário para a redução do desemprego e aumento da produtividade, inserindo-se a reforma trabalhista brasileira precisamente nessa realidade hodierna.

O Ministro do TST elencou três modelos de Estado capitalista no que toca ao trato dado aos direitos sociais, incluindo o Direito do Trabalho: o modelo de Estado de Bem Estar Social por ele denominado de complexo, praticado em países como Alemanha e nórdicos do norte da Europa, que compensam flexibilizações da legislação trabalhista com medidas protetivas de seguridade social, com papel fundamental do Estado nessa pacificação; o modelo de Estado “asiático”, encabeçado por China e Coréia do Sul, que colocam o Estado como grande estrategista do desenvolvimento econômico, com grande intervenção estatal, ainda que com tímidos direitos para os trabalhadores e inexistência de democracia real; e o modelo neoliberal ou ultraliberal, praticado por EUA, Brasil e países sul americanos em geral, que reputam o Estado como algo ruim, que deve ao máximo ser retirado de qualquer tipo de atuação na economia, em modelo que tende a retirar direitos, havendo grande dificuldade de industrialização e desenvolvimento de um capitalismo sadio.

Conclusão pessoal

De forma geral, parece que, de fato, as relações de trabalho demandam, por sua própria natureza e impacto no meio de produção do capitalismo e na própria sociedade como um todo, notoriamente por sua função de pacificação entre o capital e o trabalho, procedimentos e órgãos administrativos e judiciários preparados para entregarem decisões rápidas e efetivas, conforme princípios consagrados historicamente e juridicamente nos mais diversos países, inclusive na OIT. Assim, ainda que cada país, conforme sua cultura e suas peculiaridades, certamente tenha algum diferente trato sobre a questão, fato é que a adoção de procedimentos e órgãos especializados para a solução de conflitos de trabalho, individuais e coletivos, vai ao encontro e reforça a função de pacificação social tão cara ao Direito do Trabalho, sendo benéfica para todos os agentes nele inseridos.

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