Por Eduardo Moraes Bestetti
Recentemente, manifestações de entregadores vinculados a aplicativos ocorreram nas ruas de todo o país. Entre as reivindicações estavam tanto os valores pagos por quilômetro rodado e o valor mínimo das corridas, como insatisfações com os sistemas de pontuação, descontos aplicados unilateralmente pela plataforma e punições aplicadas pelas plataformas.
Por outro lado, os tribunais trabalhistas brasileiros já emitiram diversas decisões no sentido de não reconhecer o vínculo de emprego entre esses trabalhadores, que já somam os milhões no Brasil, e as plataformas digitais, afastando a aplicação das regras da CLT dessas relações. Contudo, isso não quer dizer que, no caso concreto, não possam ser comprovados os elementos que caracterizam o vínculo de emprego e, assim, a relação ser reconhecida como empregatícia.
O objetivo deste texto, entretanto, não é falar sobre características da relação de emprego, mas sim responder a seguinte questão: caso considerado inviável o reconhecimento do vínculo de emprego, o Direito brasileiro tutela, de alguma forma, esses profissionais contra abusos dos aplicativos?
A resposta é afirmativa. Além de decisões reconhecendo a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor na relação entre o profissional parceiro e a plataforma, as regras do Código Civil e a consideração da relação de dependência econômica protegem o motorista ou o entregador contra condutas imprevisíveis, unilaterais ou abusivas dos aplicativos.
Especificamente sobre a situação de dependência econômica, ela reforça a necessidade de que a parte com maior poder econômico na relação (no caso, o aplicativo) cumpra com seus deveres de boa-fé, entre os quais se incluem os deveres de transparência, de lealdade, de informação, de colaboração e de cooperação. A aplicação de uma suspensão sem a possibilidade de defesa, ou a repentina redução do valor pago por quilômetro rodado são exemplos de possíveis violações a esses deveres de boa-fé e, consequentemente, o reconhecimento da ilegalidade do ato.
Outro aspecto interessante a se considerar é a análise dos Termos de Uso, documento muitas vezes ignorado por quem contrata serviços virtuais, mas que estabelece as regras da relação entre usuários e plataforma. Toda alteração ou punição realizada pelo aplicativo na relação com o motorista ou o entregador devem ocorrer na forma prevista pelos Termos de Uso, caso contrário, ficará caracterizada a violação contratual pela plataforma.
Dessa forma, pode-se concluir que o Direito dá aos motoristas e entregadores diversas ferramentas para tentar coibir ou receber a indenização por condutas abusivas dos aplicativos, não apenas o reconhecimento do vínculo de emprego, com a finalidade de conferir uma maior estabilidade e previsibilidade na relação e de buscar a reparação por eventuais danos materiais ou morais e por valores que deixou de ganhar em períodos de suspensão, por exemplo.